‘Tinder da rádio’: João Inácio Júnior foi cupido por 25 anos e uniu casais com os Classificados do Amor
Apresentador foi líder de audiência em todo o Brasil ao narrar histórias de amor e fazer com que pessoas se encontrassem nos tempos de flerte por carta e ligação

Alguma coisa acontecia no coração de quem sintonizava a Rádio Verdes Mares entre a década de 1980 e o início dos anos 2000, às 14h. Havia suspiro, música, declarações. Uma hora inteira dedicada ao sentimento. Era o “Classificados do Amor”, quadro do programa João Inácio Júnior que entrou para a história do rádio brasileiro.
Pudera: foi a maior audiência do país, com 74% do público concentrado naquilo que fazia a emoção disparar. O próprio João Inácio era mediador das cartas apaixonadas e recados ardentes. Com a voz conhecida por milhares de cearenses, entrava na casa das pessoas sem cerimônia, como quem chama para uma viagem pelos sonhos e encontros do carinho.
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“Eu era o Tinder daquela época”, lembra o comunicador. “As pessoas me escreviam contando a própria história de amor, e a gente tornava aquela história uma versão para a rádio. Às vezes mudávamos pouca coisa no texto. Mas geralmente pegávamos a história e dávamos uma ajeitada – sem criar nem acrescentar nada. Só tornava mais poético”.
Se o conteúdo em si já era especial, a produção – com participação de uma das mais fiéis escudeiras do apresentador, a jornalista e radialista Claudia Leite – dava um jeito de torná-lo inesquecível: ao timbre de João Inácio, somavam-se canções românticas, protagonistas de instantes em que o aconchego pedia passagem, abraços apertados, beijos intermináveis. E não eram apenas encontros narrados. Em parte específica da atração, outra modalidade amorosa entrava ao ar.
Era o momento em que João Inácio agia feito a seção de classificados no jornal, nas quais se anunciavam serviços e produtos. Na rádio, entravam em cena as próprias pessoas, colocando-se à disposição para encontrar um amor. Diziam nome, idade, altura, profissão. Revelavam preferências estéticas e de comportamento. O resto é história.
E são muitas, cravadas com alegria na memória do apresentador. Ele recorda de um casal de idosos – 86 e 80 anos – que se conheceu a partir do programa e viveu a coisa boa da vida. Foram felizes. Vários outros pares foram formados assim, e até hoje abordam o radialista em supermercados, praças e lugares de convivência comum. “Tudo muito legal”, vibra João.
Ao todo, 40 mil cartas chegavam por mês à redação para serem recitadas pelo apresentador ao vivo. Ocupavam uma sala inteira. De início, João Inácio lia cada uma e escolhia quais iria narrar. Com o tempo, dado o volume surpreendente de correspondências, uma equipe específica fazia a curadoria. Muitas vezes selecionavam pelo capricho do envelope ou pela forma como, já ali, no papel, a emoção se desenrolava.
“Foi um sucesso absurdo por pelo menos 25 anos, quando estivemos no ar. Cada história que eu contava dava um filme. Tinha também muito recado: gente que já estava casado, mas queria enviar um poema para a pessoa amada. Mandavam aquela poesia linda, e eu narrava com aquela voz de locutor do passado”.
Além das cartas derramadas em paixão, alguns ouvintes optavam pela ousadia. João Inácio recorda de um homem que enviou uma carta a fim de encontrar uma mulher que pudesse dominá-lo, humilhá-lo, maltratá-lo. “‘Eu quero uma mulher sádica’, ele dizia. E contava com uma riqueza enorme de detalhes. De certa forma, refletia o contexto em questão”.
Segundo o comunicador, após a censura imposta pela ditadura militar sobre os meios de comunicação, muitas pessoas se sentiam livres para se expressar como quisessem, e isso se refletiu no programa. Falar da empreitada exitosa dos “Classificados do Amor”, então, é também passear pela própria história do rádio no Brasil e de como esse meio um dia já pautou frontalmente os assuntos e movimentações da população.
“Olho com saudade pra tudo isso porque consegui transformar a vida de muitas pessoas na solidão. Elas encontraram grandes amores. Por isso é engraçado quando me procuram dizendo: ‘Ainda estamos juntos’. Claro que houve muitos relacionamentos que não deram certo. A vida é assim. Mas existiram os que aconteceram”.
O “Classificados do Amor” lotou até estádios, a exemplo do Presidente Vargas, em Fortaleza, quando João Inácio saiu do estúdio e foi para o meio do povo. O programa também contou com edições gravadas em auditório, sempre com milhares de pessoas se acotovelando para entrar. Um hit, sucesso estrondoso fruto de um insight milagroso de João.
Mas, se todo Carnaval tem um fim, o quadro também chegou à conclusão. Engana-se quem pensa que a responsável foram a internet e as novas formas de comunicação. Um desejo de mudança de perfil profissional fez com que João Inácio de repente alterasse tudo o que havia construído, e mirasse em novos rumos. Um mais objetivo e jornalístico, menos “show”.
Se houve arrependimento? Jamais. “A mudança deu certo naquela época e continua dando”. Ainda assim, o radialista não descarta voltar ao expediente amoroso. Quer criar um quadro no YouTube para contar histórias de amor. As pessoas enviariam um e-mail com a narrativa, ele trabalharia um pouco nelas, colocaria uma música bonita e iria ao ar.
A insistência em permanecer nesse terreno é justificada. Tem a ver com o que João Inácio acredita ser o amor. “Acho a coisa mais importante, é transformador. Quando ele existe de verdade, é transcendental, faz as pessoas se encontrarem, serem felizes. Como acredito muito em Deus, na criação amorosa dele, vejo que o amor de nós por outras pessoas – inclusive pelo grande amor da vida da gente – é como se fosse a gente tentando imitar Deus. Claro que nunca vamos conseguir, mas é uma coisa maravilhosa. É quando a vida acontece”.
Esta é a história de João Inácio Júnior e os amores contados por ele no rádio. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor