Legislativo Judiciário Executivo

CPI da Enel apresenta relatório nesta terça; relembre a saga dos deputados contra a empresa

A entrega do relatório final deve finalizar os trabalhos da CPI da Enel, que já dura cerca de nove meses

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
CPI Enel
Legenda: Relatório deve ser entregue ao Ministério de Minas e Energia com sugestão de sanções à empresa
Foto: Máximo Maximo/Alece

O relator da CPI da Enel, deputado estadual Guilherme Landim (PDT), deve apresentar, nesta terça-feira (7), o relatório final das investigações contra a distribuidora de energia. O documento, que tem mais de 300 páginas, irá indicar irregularidades cometidas pela empresa e solicitar punições. 

O parecer do relator, no entanto, precisa ser aprovado pelos membros do colegiado e, posteriormente, pelo plenário da Casa para poder ser enviado aos órgãos competentes. A expectativa é que as votações ocorram nesta terça, na comissão, e na quarta, no plenário. 

A entrega do relatório final deve encerrar os trabalhos da CPI da Enel, que já dura cerca de nove meses. A criação da comissão começou a ser discutida ainda em 2022, depois da aplicação de um reajuste histórico pela companhia, de 24%, nas contas dos consumidores cearenses. O colegiado, todavia, só foi instalado oficialmente em agosto de 2023.  

Confira abaixo a saga dos deputados desde a instalação até a conclusão da CPI da Enel.

Maior reajuste da história 

Em abril de 2022, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou o reajuste tarifário médio de 24,85% da Enel Ceará. O percentual foi o maior aumento na conta de luz da história do Estado. À época, a concessionária atribuiu a necessidade do valor às perdas orçamentárias ocasionadas pela pandemia da Covid-19. 

O Ministério Público do Ceará (MPCE) montou uma comissão para analisar o contrato de concessão da empresa e apontou que a justificativa apresentada para o reajuste não condizia com a realidade. "Pelo contrário, balanço contábil aponta crescimento do patrimônio líquido, capital social e das reservas de lucro", informava o relatório. 

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Diante do aumento histórico e de reclamações sobre a prestação de serviço da empresa, a pauta 'CPI' começou a surgir. 

Em meio a isso, a empresa figurava como uma das piores de distribuidoras de energia elétrica do País, conforme dados do ranking de Desempenho Global de Continuidade (DGC), medido pela Aneel. 

Em 2021, a empresa teve o quinto pior índice do Brasil, de 0,97. Em 2020, a pontuação foi a segunda pior do País e, em 2019, a Enel ficou na quarta pior colocação.   

O DGC é uma relação do quanto o FEC (Frequência Equivalente por Consumidor) e o DEC (Duração Equivalente por Consumidor), estão próximos aos limites estabelecidos pela Aneel. Quanto menor o índice, melhor o desempenho da distribuidora em relação às metas.   

Além disso, relatório do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon-CE), do MPCE, mostrou que, em 2022, mesmo ano do reajuste histórico, a empresa foi líder de reclamações no órgão. Ao todo, foram 4.410 queixas registradas devido à má prestação de serviço. 

Anúncio de venda 

Em meio a esse cenário, a Enel Ceará anunciou no fim de 2022 intenção de venda das ações no Estado. A notícia fez com que a pressão sobre os parlamentares cearenses aumentasse, uma vez que a companhia poderia deixar o Estado sem melhorar os serviços. 

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Parceria com a Câmara Municipal 

Em meio a esse cenário, a Câmara Municipal de Fortaleza instalou, no início de 2023, uma Comissão Temporária de Acompanhamento e Fiscalização de Serviços Ofertados pela Enel, Cagece e Operadoras de Internet na Capital para apurar irregularidades da companhia. O trabalho era compartilhado com a Alece, MPCE, Defensoria e outros órgãos. 

Em uma audiência realizada em junho daquele ano, o ouvidor da Enel Ceará, Rezinaldo Paes, afirmou que corte de energia tinha função de "disciplinar o mercado". O serviço, inclusive, era terceirizado e pago mediante efetivação. 

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"A empresa recebe de acordo com o número de cortes, não o trabalhador. (...) Mas tem um porém, eles estão desautorizados a cortar contas pagas. Essa operação é cara, a gente não quer ir lá cortar (a energia) do cliente. O corte tem uma função de disciplinar o mercado. (...) A gente segue aquilo que está no regulamento da Aneel, com esse olhar para o consumidor, mas com limites", afirmou Rezinaldo à época. 

CPI protocolada 

No fim de fevereiro de 2023, o deputado Fernando Santana protocolou o pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a empresa. O requerimento recebeu assinatura de todos os deputados da Casa. 

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No entanto, a instalação do colegiado ocorreu apenas em agosto, devido uma licença retirada por Fernando Santana do Parlamento Estadual. Como estava à frente dos debates envolvendo a empresa, havia tratativas para que ele presidisse a comissão — o que acabou ocorrendo. 

Primeira oitiva 

A primeira oitiva realizada pela CPI foi com o presidente da Agência Reguladora do Ceará (Arce), Hélio Winston Leitão, em setembro do ano passado. A Arce é a responsável por fazer a regulação dos serviços públicos prestados no Estado, inclusive da Enel, sendo conveniada à Aneel. 

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Todavia, durante a oitiva, Leitão afirmou que o órgão não tinha autonomia para fiscalizar a distribuidora sem autorização prévia da Aneel, o que teria contribuído para colocar a empresa como uma das piores concessionárias do País. 

"A Enel era uma das melhores, hoje é uma das piores", avaliou, ao explicar que, de 53 concessionárias de energia em atuação no Brasil, a distribuidora está em 49º lugar no Índice Aneel de Satisfação do Consumidor Residencial (IASC), conforme dados de 2021.  

Desde o início da CPI, a Enel reforça investimentos no Estado e se coloca à disposição da comissão para prestar esclarecimentos. 

Mediação de conflitos 

Em outra audiência realizada pela CPI em setembro, a diretora do Procon localizado na Assembleia, Valéria Colares, destacou que a intermediação de conflitos entre a concessionária e os clientes estava "difícil", uma vez que a empresa tinha mudado o protocolo de resolução dos problemas. 

"Nós tivemos um problema porque eles (Enel) mandavam o corpo técnico, mas, nesses últimos dias de 2023, eles passaram a mandar só os advogados. Nós estamos recorrendo mais às audiências e ao Decon porque não há a resolução de imediato", explicou. 

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O Procon recebe queixas dos consumidores via internet ou atendimento presencial e inicia a etapa de Carta de Informações Preliminares (CIP), em que é dado um prazo de 10 dias para a empresa contornar o problema. Segundo a diretora, a concessionária de energia tem um nível de resolutividade nesta etapa entre 50% e 60%, um desempenho "médio", já que há empresas que chegam a índices de 90%. 

Caso não haja acordo nessa fase, uma audiência é marcada. Segundo Colares, a distribuidora costumava enviar técnicos para solucionar as queixas apresentadas, porém, tinha passado a enviar advogados.  

Visita a outras CPIs 

Em outubro de 2023, os deputados estaduais foram visitar CPIs instaladas em São Paulo e no Piauí contra distribuidoras de energia. No caso do parlamento paulistano, a investigação também tinha como alvo a Enel. Já no estado vizinho do Ceará, a CPI analisava o desempenho da empresa Equatorial — que chegou a ser ventilada como uma das possíveis substitutas da Enel no Ceará. 

À época, a Enel vinha negociando uma possível saída do Estado, com venda dos ativos em solo cearense. Todavia, em novembro, a empresa anunciou que as negociações estavam suspensas. 

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O intuito era recolher provas que demonstrassem semelhanças no serviço praticado pelas empresas. Posteriormente, eles levaram as denúncias e provas coletadas até a Secretaria Nacional do Direito do Consumidor e Aneel, em Brasília. Apesar dos esforços, não houve retorno sobre uma solução ou punição para a concessionária no Ceará. 

Falta de energia no Réveillon 

No fim do ano passado, o funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito foi prorrogado na Assembleia. O que os deputados não sabiam, naquele momento, é que em poucos dias já teriam mais intercorrências no serviço prestado pela empresa para investigar. Um dos problemas que repercutiu logo após virada de ano foi a falta de energia registrada em diversos municípios cearenses durante o Réveillon. 

Membros da CPI, inclusive, chegaram a emitir uma nota de repúdio contra a Enel diante da "falta de informações" sobre os episódios ocorridos no Estado.  

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"Alguns municípios do litoral cearense, por exemplo, que tem no turismo importante fonte de renda, foram prejudicados, gerando enormes prejuízos a hotéis, restaurantes, turistas e comerciantes em geral, além da população local que teve eletrodomésticos queimados", dizia o documento, ao classificar a falta de energia como "um caos".  

Alguns meses mais tarde, em abril deste ano, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), do Ministério Público do Ceará (MPCE), multou a Enel em R$ 10 milhões pela falta de eletricidade em alguns municípios durante o Réveillon. Moradores das praias de Canoa Quebrada, Icaraí de Amontada, Cumbuco, Flecheiras e Águas Belas chegaram a relatar mais de 48 horas sem energia. 

De acordo com o Decon, a companhia infringiu pelo menos cinco artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), causando prejuízos aos consumidores no fornecimento de um item essencial. 

A empresa atribuiu as falhas às chuvas que atingiram o Estado no período. 

Falta de energia no Carnaval 

A falta de energia no Réveillon não foi um fator isolado da Virada de Ano. Na Capital e em municípios da Região Metropolitana, o Carnaval foi de contrastes. Enquanto alguns brincavam sem preocupação na folia, outros tiveram dor de cabeça com a falta de energia após fortes chuvas atingirem a região.  

Alguns moradores, inclusive, chegaram a ficar mais de 24 horas sem eletricidade.  

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No mesmo mês, o líder do Governo Estadual na Alece, deputado Romeu Aldigueri (PDT), apresentou um projeto de lei para obrigar a concessionária a informar, em tempo real, as interrupções nos serviços de energia elétrica, com detalhamento sobre falhas e providências para o reparo. O projeto é subscrito por outros 22 deputados e ainda está tramitando no Parlamento Estadual. 

Assim como no Réveillon, a Enel Ceará também ressaltou interferências climáticas para a interrupção do serviço. 

Incentivos fiscais de R$ 800 milhões 

No início de março, a CPI realizou mais uma oitiva, dessa vez para escutar representantes da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). 

Diretor de Fundos, Incentivo e de Atração de Investimentos da Sudene, Heitor Freire alegou que a empresa deixou de pagar mais de R$ 800 milhões em impostos nos últimos 10 anos para que sua instalação fosse revertida em desenvolvimento no Estado — com geração de emprego, investimento em mão de obra qualificada e melhoria na infraestrutura, por exemplo. A expectativa, no entanto, não foi cumprida. 

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"É um imposto que poderia ser gasto em saúde, infraestrutura, ou seja, em algum benefício direto para a população, mas voltou para a empresa, e a gente, hoje, só escutou denúncias e precariedade. [...] São informações que a gente leva de volta para a nossa autarquia para reavaliar todas essas informações e até mesmo sugestões de como esses benefícios podem ser fiscalizados, cortados", ressaltou Freire à época. 

Por meio de nota, a Enel informou que a redução de 75% do Imposto de renda Pessoa Jurídica (IRPJ) foi concedida pela Sudene em 2016, atestando "a modernização total do empreendimento da distribuidora, através de notas fiscais e vistoria física" e garantindo "melhoria no sistema de produção da companhia".  

Reunião com Ministério de Minas e Energia

Em meados do mês de abril, membros da CPI foram até Brasília para se reunir com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), para apresentar um dossiê com problemas na prestação de serviço da empresa no Estado. O encontro foi mediado pelo governador Elmano de Freitas (PT). Deputado federais cearenses também participaram do encontro.

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Após a reunião, o presidente da Comissão, Fernando Santana (PT), informou que o relatório final dos trabalhos da CPI seria antecipado para o início de maio. O objetivo é entregar o documento a tempo de subsidiar o Governo Federal na construção de uma nova legislação para concessionárias de energia elétrica, já que o parecer do colegiado deve detalhar as irregularidades identificadas na prestação de serviço pela empresa e solicitar sanções.

Oitiva com a empresa 

No fim de abril, o colegiado realizou a oitiva com o atual diretor-presidente da distribuidora no Ceará, José Nunes de Almeida Neto. O executivo assumiu o cargo dias antes de ir depor para a comissão, em 4 de abril deste ano. 

Pouco antes da oitiva, a CPI foi informada pela Justiça sobre um habeas corpus preventivo concedido a Nunes Neto, para que ele tivesse garantido o direito ao silêncio, a não ser compelido a responder qualquer pergunta de caráter sigiloso de terceiros, a assistência de advogados e ao direito de não ser obrigado a assinar termo de compromisso em dizer a verdade. Todavia, não se negou a responder nenhuma pergunta feita pelos membros da comissão. 

Reconhecimento de falhas 

Em diversos momentos da oitiva, José Nunes de Almeida Neto reconheceu "falhas" da empresa e reforçou o compromisso da companhia para resolver os problemas apontados pela população. 

Na ocasião, ele afirmou que não é conivente com as incorreções e disse que a companhia está passando por uma reestruturação. O executivo destacou, ainda, que a empresa irá investir R$ 1,6 bilhão no Ceará nos próximos três anos para melhorar a prestação de serviço e aproximar a companhia do consumidor. 

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"Eu estou atrás da entrega, não apenas da promessa, então me comprometo com os senhores e senhoras que será uma busca incessante. Eu sei o quanto somos capazes, sei o quadro que a Enel Ceará possui, não nos conformaremos com o mediano, queremos estar entre as melhores distribuidoras do Brasil, o mediano não nos satisfaz, disse na oportunidade. 

Venda no 'mercado paralelo' 

Em um dos momentos da oitiva, o presidente da CPI, deputado Fernando Santana (PT), revelou que o colegiado investigava uma suposta venda parcial de equipamentos adquiridos pela distribuidora no mercado paralelo. Os itens, no entanto, deveriam ser destinados à melhoria da rede no Estado. 

"Eles (Enel Ceará) teriam comprado R$ 700 milhões de equipamentos para manutenção (da rede no Estado) e estariam vendendo parte desses equipamentos no mercado paralelo. Por isso, o Estado do Ceará estaria sem manutenção. Nós estamos apurando essa denúncia, nós vamos questionar, direito nosso, nós estamos no finalzinho da apuração", afirmou o parlamentar. 

A suspeita foi refutada pelo diretor-presidente. 

"O que há, como em qualquer empresa, é que, muitas vezes, quando tem um equipamento - um cabo, um fio -, que se torna obsoleto para as atividades da empresa, ele é disponibilizado no mercado. Isso é comum no setor elétrico, em todos os setores, não apenas no setor de distribuição”, explicou posteriormente, em coletiva de imprensa.  

Agora, a CPI da Enel irá analisar relatório final do relator Guilherme Landim para definir quais medidas devem ser adotadas pela empresa. Como o colegiado não tem poder para sustar o contrato de concessão da companhia, ele deve sugerir sanções a serem analisadas e aplicadas pelos órgãos competentes. 

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