Avanço do mar ameaça praias de Icapuí, e moradores pedem decreto de calamidade pública; veja imagens

Erosão do litoral tem crescido nos últimos anos sem que tenham sido implantadas medidas de contenção

Escrito por
Nícolas Paulino nicolas.paulino@svm.com.br
Bancos de areia erodidos em Ponta Grossa, em Icapuí
Legenda: Após visita técnica, Defesa Civil de Icapuí verificou trechos com erosão costeira em Ponta Grossa
Foto: Prefeitura de Icapuí

As mudanças climáticas têm alterado dinâmicas ambientais em todo o planeta, afetando inclusive os oceanos e as áreas costeiras. No Ceará, diversas cidades enfrentam processos erosivos e redução das praias, inclusive em Icapuí. Moradores do destino turístico que faz divisa com o Rio Grande do Norte, no Litoral Leste do Estado, relatam apreensão com a força das marés e cobram medidas de contenção do problema.

Na última década, a praia da Peroba vem apresentando sinais de desgastes. Em 2022, por exemplo, uma intensa ressaca do mar “engoliu” o trecho de uma via perto de postes de energia elétrica e residências. À época, a gestão municipal relatou que o evento estava ligado “às questões climáticas e uso e ocupação de forma desordenada na orla marítima”. 

Porém, nem a construção de paredões no local surtiu efeito para minimizar o impacto das ondas. Em 2024, após um longo processo de discussão, a Prefeitura Municipal iniciou a construção de um espigão. Atualmente, trabalhadores e maquinário já estão em operação. 

29%
da orla de Icapuí está sujeita a processos erosivos, conforme um estudo do Programa Cientista Chefe do Governo do Estado. Dos 45km de extensão, cerca de 13km podem apresentar problemas no futuro.

Além da Peroba, o levantamento aponta que várias outras praias de Icapuí estão sujeitas a processos erosivos, dentre as quais Retiro Grande, Redonda, Picos e Barreiras.

Mapa de Icapuí com áreas sujeitas à erosão costeira, em vermelho
Legenda: Mapa de Icapuí com áreas sujeitas à erosão costeira, em vermelho
Foto: Mapas de Risco/Programa Cientista Chefe Erosão Costeira

Apesar de não constar nesse mapa, outra delas é a praia de Ponta Grossa, famosa pela saída de passeios de barco. Nos últimos anos, os moradores perceberam o avanço da maré e a ameaça cada vez mais próxima do impacto em imóveis residenciais e comerciais.

Por conta do problema, a Associação Comunitária de Ponta Grossa (ACPontag) decidiu enviar à atual gestão um pedido de decretação de estado de calamidade pública na comunidade.

O grupo explica que, por estar situada em uma área abaixo do nível do mar, Ponta Grossa corre “alto risco de alagamentos em curto espaço de tempo”. Outra ameaça em curso é o soterramento de áreas urbanas pelas dunas, fenômeno que no futuro “irá dificultar a mobilidade, impedindo o acesso por turistas e moradores causando prejuízos incalculáveis à economia local”.

“A situação que se configura a comunidade de Ponta Grossa exige ação imediata e coordenada do poder público, sob pena de acarretar danos irreparáveis à população, pois há o risco de alagamento e soterramento de moradias, comércios, restaurantes e pousadas”, defende.

A Associação entende que o decreto é a forma de mobilizar recursos e esforços de todas as esferas dos governos do Estado do Ceará e Governo Federal, para financiar ações de socorro, assistência e recuperação das áreas afetadas. Como medida emergencial, também requer a construção de um espigão para contenção da maré.

Praia de Ponta Grossa, em Icapuí, erodida pela maré
Legenda: Detalhes da orla da praia de Ponta Grossa
Foto: Defesa Civil de Icapuí

A gestão municipal de Icapuí já está a par do problema. Em 18 de fevereiro, a Defesa Civil da Prefeitura realizou uma visita técnica na praia para avaliar os danos causados pela erosão marinha. Dias depois, o próprio prefeito Kleiton Pereira percorreu a área num buggy.

Os técnicos da Defesa Civil observaram os pontos de erosão para elaborar um relatório da situação atual e de ações preventivas. Na ocasião, o coordenador Daniel Oliveira entendeu a necessidade de “realizar ações paliativas que venham a minimizar e retardar possíveis consequências dos impactos provenientes deste processo erosivo natural”. 

“Para ações mais eficazes, se faz necessário um estudo geológico e ambiental por técnicos e peritos na área para identificar qual projeto de contenção será mais adequado para a região", afirmou.

Já no último dia 25 de fevereiro, a Associação e a Prefeitura estiveram em reunião na sede da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema), em Fortaleza, para explicar a situação.

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O que pode ser feito?

Em entrevista ao Diário do Nordeste, Eurivan de Paula, secretário de Desenvolvimento, Trabalho, Agricultura, Meio Ambiente e Pesca (Sedema) de Icapuí, explica que é preciso estudar bem a situação para encontrar uma solução sustentável. 

Uma das saídas ventiladas foi remover areia de dunas para criar uma parede na praia, mas ele acredita que isso poderá “causar um problema maior depois”. Por isso, aguarda a visita dos técnicos da Sema para pensar “qual seria uma solução pelo menos de imediato, enquanto a gente trabalha a questão definitiva”. 

Trator move areia para formar muro na praia de Icapuí
Legenda: Construção de barreira de contenção em praia de Icapuí, em 2021
Foto: Kid Jr.

“Às vezes, a gente pensa em uma coisa, mas na verdade é outra tecnologia que pode resolver um problema. Depende do diagnóstico”, ressalta.

Segundo Eurivan, até o momento, o avanço do mar comprometeu as estruturas dos pontos de apoio de pescadores, localizados na areia da praia, que são utilizados para consertar redes ou descansar. No entanto, há barracas de praia na área mais suscetível.

“Graças a Deus, ainda não chegou a esse ponto, mas como Ponta Grossa fica abaixo do nível do mar, a preocupação da comunidade é exatamente essa: que, com as próximas marés, as ondas ultrapassasse esse limite. Por isso também estamos tentando correr”, sinaliza.

Documentarista e morador de Icapuí, Ricardo Arruda também se preocupa e tem participado das discussões. Ele observa que, em vez de as praias “engordarem” como antigamente, com a reposição de sedimentos antes trazidos pela corrente marítima, elas “só estão sendo erodidas”.

“Solicitamos uma vistoria o mais rápido possível, pra ter um parecer para diminuir o impacto até chegar um espigão ou paredão. Um estudo pra conter por um período de tempo e retardar o efeito”, deseja.

Segundo ele, é preciso investir nessa contenção para evitar um eco do passado. Há cerca de 50 anos, conta o pesquisador, a água encostou quase nas falésias, e o povoado que habitava a orla precisou migrar para uma região de dunas. 

Artesão caminhando pela praia de Icapuí
Legenda: Cenário traz preocupações para a população que depende do turismo e da pesca
Foto: Natinho Rodrigues

Plano contra a erosão costeira

Durante a reunião com os representantes de Icapuí, a Sema adiantou informações sobre a existência do Plano de Ações de Contingência para Processos de Erosão Costeira, no Estado do Ceará. O documento, produto do Programa Cientista Chefe Meio Ambiente, deve ser apresentado oficialmente ainda neste mês de março.

O Plano traz um diagnóstico da situação no âmbito do Ceará e aponta as áreas em erosão crítica, com erosão e com estabilidade, bem como ações de mitigação e prevenção.

Em nota enviada à reportagem, a Sema garantiu que “ficou acordada a formação de um grupo técnico, com integrantes representantes da Sema, Semace, Defesa Civil, e outros, que vai ao município. Porém, o município de Icapuí vai solicitar a visita, formalmente, por meio de ofício dirigido à Sema”.

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